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  • Usos do sagrado en Historia medieval

    Dominique IOGNA-PRAT, 18 de Janeiro de 2012 | 22 de Julho de 2010

    Dominique IOGNA-PRAT

    (Directeur de recherche au CNRS - LAMOP)

    [texte traduit par Gabriel de CARVALHO GODOY CASTANHO]


    A utilização da noção de “sagrado” obriga o medievalista a um mergulho nas origens das ciências humanas e sociais que inventaram o substantivo “sagrado” após séculos de uso como simples qualificativo, ele mesmo reelaborado na Idade Média. Essa noção apresenta o problema de ser ao mesmo tempo um conceito medieval e uma categoria analítica atual com significados bastante diferentes, o que favorece o surgimento de muitas contradições.
    Recuar até os tempos antigos do uso do qualificativo significa seguir um percurso que vai dos fundamentos romanos do sagrado até as inflexões eclesiais da Idade Média. Sagrado (sacer) e santo (sanctus) possuem uma raiz comum (sancio). O direito romano tradicional os aproxima do qualificativo religioso criando uma combinação que permite distinguir os objetos por meio do direito humano e do direito divino, qualificados de três maneiras: sagrado, santo e religioso. Contrariamente ao que se acreditou por muito tempo, a partir das teses de Geroges Dumézil relativas ao arcaísmo do esquema tripartido em Roma, os qualificativos sagrado, santo, e religioso só foram combinados (nessa ordem ou em outra) a partir de uma época tardia não anterior ao século II de nossa era. Em matéria de “coisas divinas” (res diuini iuris), os antigos pontífices romanos distinguem as sacra (ritualmente consagradas aos deuses das alturas) e as religiosas (a respeito dos Manes, os deuses de baixo, aos quais as famílias romanas confiam seus mortos). “Santo” pertence à outra categoria. Segundo o direito civil, sanctus designa aquilo que está interditado ao alcance humano, e como tal, submetido à sanção (sancire). Como conseqüência de uma evolução tardia, “santo” foi colocado no nível de “coisa divina”. Antes de atingir a combinação sagrado/santo/religioso decorrente da renovação do direito civil romano dos séculos XI e XII, o ocidente cristão observa claramente a evolução do qualificativo sagrado e do conjunto de seu campo semântico. Em particular, observa-se a imbricação, cada vez mais forte, entre sagrado e santo (perceptível no emprego indiferenciado de “corpo santo” e de “corpo sagrado” para qualificar os restos dos santos), e o desenvolvimento prolífico de uma ampla gama de sacer e de sanctus (sacrarium, sanctuarium, sanctificare, consecrare, sacramentum...). Ao mesmo tempo, estabelece-se uma instância auto-proclamada do sagrado, a Igreja, instituição totalizante que “faz” o sagrado e, consagrando, se coloca como uma verdadeira fabrica do social. Essa instituição dá ao qualificativo seus três principais traços distintivos na Idade Média (J.C.Schmitt): 1. É sagrado aquilo que foi consagrado através da mediação da instituição. 2. O consagrado é concentrado. Em oposição ao sagrado difuso do panteísmo antigo, o sagrado cristão se encontra concentrado em tempos, lugares e homens, que instauram um “espaço fora do espaço” (A. Guerreau). Possibilita-se assim a distinção do sagrado e do profano como esferas opostas, a delimitação das fronteiras de pertencimento à sociedade cristã confundida com a comunidade sacramental, e a fixação, sobre um terreno, dos quadros dessa comunidade (igreja, cemitério, paróquia...), ao ponto de transformá-los em matrizes territoriais (M. Lauwers). 3. O que é consagrado é hierarquizado em uma escala de valores permitindo, não somente a distinção do que é mais ou menos sagrado, mas também a definição da polarização exercida por aquilo que é sagrado, ou seja, a passagem de uma categoria à outra (do profano ao sagrado), pois o cerne do cristianismo, religião do Deus feito homem e da redenção da humanidade pecadora, diz respeito ao poder de transformação dos homens e dos bens por meio da consagração.
    A distância entre as utilizações medievais e o uso conceitual atual se traduz ao mesmo tempo através do uso como substantivo e através de uma quase inversão semântica. O uso banalizado do substantivo “sagrado” entre os historiadores franceses tem como origem, a publicação da obra de Alphonse Dupront, Du sacré, em 1987. Representante de uma abordagem fenomenológica da história, Dupront encarna perfeitamente o paradoxo do sagrado como um produto da secularização do pensamento, uma vez que a razão moderna faz “do sagrado a nova forma transhistórica e transcultural da transcendência” (M. Carrier). Para os fenomenalistas, o sagrado se identifica ao mistério, à energia absoluta, ao Todo Outro “numinoso” (segundo a expressão de Rudolf Otto em sua obra de 1917, Das Heilige, traduzido em francês como Le sacré), do qual o homem consegue se aproximar nos “lugares reservados à potência fundadora”. Algo deste vitalismo sagrado se encontra no terreno etnológico. Por exemplo, na “espontaneidade selvagem” cara a Roger Bastide, ou no sagrado literário de um Georges Bataille em luta contra os limites humanos do cognoscível, quiçá na questão da parte animal do homem que obceca o pós-modernismo (D. Hawley).
    Com uma influência ainda mais marcante, o sagrado dos sociólogos estabelece, no próprio processo histórico que fundamentou a tradição sociológica, uma possibilidade de equivalência entre a transcendência religiosa das sociedades “tradicionais” heteronômicas e a imanência social das sociedades “modernas” autônomas. Henri Hubert e Marcel Mauss sustentam que: “para nós, é concebido como sagrado tudo aquilo que, para o grupo e seus membros, qualifica a sociedade. Se os deuses, um de cada vez, saem do templo e se tornam profanos, nós, por outro lado, observamos entrar lá uma depois da outra, coisas humanas, mas sociais: a pátria, a propriedade, o trabalho e a pessoa humana.” Essa outra maneira moderna de inventar o sagrado é também transhistórica e transcultural na medida em que ela coloca a sacralização do social como um “estado normal das coisas” (M. Carrier). O sagrado funciona como um fundamento da ordem concebida, ao mesmo tempo exercendo uma função simbólica de formalização da comunidade e agindo como força de adestramento e de domesticação.
    O medievalista deve assim adotar uma dupla atitude crítica: ele precisa dar inteligibilidade à sociedade medieval tendo em conta sua própria categoria do “sagrado” e colocar em causa a inclinação nominalista e orgânica presente no cerne da tradição sociológica. Esse tipo de sacralização do social lembra, de fato, a escolástica e a qualificação nominalista das entidades sociais (o grupo, a corporação, a cidade, a comunidade...) como “substâncias segundas” (gêneros, espécies, categorias, classes de seres), as quais, contrariamente à “realidade” das pessoas ou “substancias primeiras” (os seres particulares, Pierre ou Paul), são identificadas como puras convenções lingüísticas, termos gerais e arbitrários que encontram seu fundamento e sua razão de ser no mundo empírico, mas que não significam nada neles mesmos. Sendo uma “substância secunda”, o social se encontra assim livre de toda referência ontológica; ele é de certa maneira dessacralizado, reificado, constituído em esfera autônoma e verdadeiramente significante. Compreende-se então que a abordagem realista das entidades sociais (grupos etc.), elevados ao nível de “substâncias primeiras”, constitui uma prática “sacralizante”, isto é, em contradição com uma abordagem sócio-histórica.


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  • Bibliografia

    Dominique IOGNA-PRAT, 23 de Janeiro de 2012 | 22 de Julho de 2010

    Usos do sagrado

    - CARRIER Michel, Penser le sacré. Les sciences humaines et l’invention du sacré, Montréal, Liber, 2005.
    - DUPRONT Alphonse, Du sacré, Paris, Gallimard, 1987 (Bibliothèque des Histoires).
    - GUERREAU Alain, «Il significato dei luoghi nell’Occidente medievale: struttura e dinamica di uno “spazio” specifico», dans E. Castelnuevo et G. Sergi (dir.), Arti e storia nel Medioevo. I, (Tempi, Spazi, Istituzioni), Torino, 2002, p. 201-239.
    - HAWLEY Daniel, L’œuvre insolite de Georges Bataille. Une hiérophanie moderne, Genève et Paris, Slatkine et Champion, 1978.
    - HUBERT Henri et MAUSS Marcel, «Introduction à l’analyse de quelques phénomènes religieux», Revue d’histoire des religions, 58 (1906), p. 163-203 [Apud MAUSS Marcel, Œuvres. I, Les fonctions sociales du sacré, Paris, Minuit, 1968, p. 3-39].
    - LAUWERS Michel, «Le cimetière dans le Moyen Âge latin: lieu sacré, lieu saint et religieux», Annales HSS, 1999/5, p. 1047-1072.
    - SCHMITT Jean-Claude, «La notion de sacré et son application à l’histoire du christianisme médiéval», Cahiers du Centre de recherches historiques, 9 (1992), p. 19-29 [repris dans ID., Le corps, les rites, les rêves, le temps. Essais d’anthropologie médiévale, Paris, Gallimard, 2001, p. 42-52 (Bibliothèque des Histoires)].
    - TAROT Camille, Le symbolique et le sacré. Théories de la religion, Paris, La Découverte, 2008 (Textes à l’appui).


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  • Notes et adresses des liens référencés

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